Jardim dos Mestres

A deterioração do homem

PENSO que deveria ser de sumo interesse para a maioria de nós observar a deterioração que está solapando o caráter, a estabilidade, a natureza do homem. Essa deterioração se faz notar em todos os níveis de atividade. Neste país, principalmente, ela é muito visível – este país que sempre se supôs muito religioso, por tradição, por herança, e pela constante repetição de certas frases e idéias religiosas. Pode-se observar que, aqui, a deterioração é muito mais profunda, mais generalizada e, aparentemente, muito poucos se preocupam com ela. Os que se preocupam tratam de ressuscitar o passado, de volver às velhas e venerandas tradições, costumes, hábitos e atitudes de pensamento, aos antigos valores. Ou, ainda, buscam uma solução social ou econômica. Como quer que seja, é bem evidente que os que levam a vida a sério, ou se refugiam no passado, em suas velhas idéias visionárias, ou tratam de cultivar um novo conceito, uma nova fórmula, social ou religiosamente.

Vendo-se o que se está passando no mundo, e principalmente neste país, parece-me que o que se faz necessário é uma revolução total na consciência. E não será possível tal revolução, se permanecermos insensatamente apegados a crenças, idéias e conceitos. Não encontraremos saída de nossa confusão, angústia, conflito, pela constante repetição do Gita, do Upanishads e demais livros sagrados; isso poderá levar à hipocrisia, a uma vida de insinceridade, de interminável pregação moral, porém nunca a enfrentar realidades. O que nos cumpre fazer é, segundo me parece, tornar-nos cônscios das condições de nossa existência diária, de nossos infortúnios, nossas angústias, nossa confusão e conflito, e tratar de compreendê-los tão profundamente que possamos lançar uma base adequada, para começar. Não há outra solução. Temos de enfrentar-nos assim como somos e não como deveríamos ser, segundo um certo padrão ou ideal. Temos de ver realmente o que somos e, daí, iniciar a transformação radical.

Direis: “Que efeito ou valor pode ter uma transformação individual? Como poderá isso alterar o curso da existência humana? Que pode um só indivíduo fazer?” – Esta me parece uma pergunta errônea, porque não existe tal coisa – consciência individual; só há consciência, da qual somos uma parte. Um indivíduo pode segregar-se, cercar-se dentro de um determinado espaço chamado “Eu”. Mas esse Eu está relacionado com o todo, esse Eu não é separado. E, com a transformação dessa seção especial, dessa determinada parte, podemos influir na totalidade da consciência. Considero muito importante compreender que não estamos falando de salvação individual ou reforma individual, porém, sim, da necessidade de estarmos conscientes da parte em relação com o todo. Desse percebimento nascerá uma ação que atingirá o todo.

Quando se considera o que está ocorrendo no mundo, onde a mente dos seres humanos se tornou mecânica, rotineira, onde os seres humanos estão separados em nacionalidades e grupos, divididos pela tecnologia – além das divisões religiosas em hinduístas, muçulmanos, cristãos, etc. – torna-se necessária, a meu ver, uma ação de caráter totalmente diferente. Devemos descobrir, sem dúvida, uma fonte diferente, uma diferente maneira de vida que não esteja em contradição com o nosso viver de cada dia, e ao mesmo tempo promover uma profunda compreensão religiosa da vida.

Para mim, o importante não é apenas a imediata “resposta” aos diferentes “desafios” – resposta que deve ser adequada – mas também resposta que seja produto de uma vida profundamente religiosa. Entendo por “vida religiosa, não uma vida ritualista, de ajustamento a determinado padrão, porém a vida religiosa resultante da autocompreensão. Porque, sem o conhecimento de nós mesmos – o que realmente somos, por mais desonestos, falsos, astutos, hipócritas e ignóbeis que sejamos – não temos base para nenhuma ação ou pensamento religioso.

Parece-me, pois, que todo aquele que esteja real e profundamente interessado, não só na situação mundial, mas também em descobrir a verdade, em descobrir se alguma coisa existe além dos limites da mente – deve tratar de compreender totalmente a si próprio. E tal será nosso único empenho no decorrer destas palestras. Porque aí é que está a fonte, o manancial de nosso pensamento, de nosso ser e de nossa ação. Se não há autoconhecimento, se não há compreensão do Eu – não do “Eu superior”, do Eu com “E” maiúsculo – porém do “eu” ordinário, do homem que freqüenta diariamente o escritório, que é apaixonado, irascível, violento, cruel, hipócrita, acomodatício – se não há essa compreensão total, completa, de todo o nosso ser, nesse caso toda ação, todo pensamento, toda idéia só conduzirá a mais confusão e mais angústia.

E parece-me que temos em mãos uma imensa tarefa, tarefa que exige seriedade. Por esta palavra, entendo a capacidade de prosseguir até o fim na busca da Verdade ou numa pesquisa qualquer. Por não sermos verdadeiramente sérios, somos muito superficiais, fáceis de distrair e de satisfazer. Mas, para investigar profundamente em si próprio, o indivíduo tem de ser sério em extremo, e conservar-se nesse estado de seriedade. E isso requer energia; ninguém pode ser sério se não tem energia. Não deve essa energia ser esporádica, acidental, porém uma energia constante, capaz de observar um fato tal como é, e capaz de seguir esse fato até o fim – uma energia espantosa, tanto mental como corporal .

E, para se ter energia, não deve haver conflito, já que o conflito é o principal fator de deterioração. Somos pessoas que foram educadas para viver em conflito. Toda a nossa vida é conflito, dentro e fora de nós – com o próximo, com nós mesmos, e em nossas relações. Tudo o que tocamos, tanto psicológica como ideologicamente, gera conflito. E o conflito é o maior fator de deterioração.

Ora, a meu ver, a compreensão desse conflito, compreensão não parcial, porém total, é a mais importante tarefa da mente humana. Porque só com a completa terminação do conflito podem terminar todas as ilusões; só então tem a mente a possibilidade de penetrar fundo, na investigação da Verdade, no investigar se algo existe além do tempo. E só essa mente é capaz de descobrir o que é o amor e de descobrir o estado mental criador, porque tudo o mais, em qualquer forma que seja, é pura especulação. A mente religiosa não especula; move-se tão-somente, de fato para fato. E não é possível observar o fato quando há conflito ou tensão de qualquer espécie.

Assim, creio que nosso problema principal resulta de termos perdido completamente a religião, o espírito religioso. Podeis ter templos, freqüentar o templo, usar vestes sagradas, cultivar todas as demais futilidades desse gênero; mas não sois pessoas verdadeiramente religiosas. E o problema do mundo não pode ser resolvido em nenhum outro nível, exceto e, religioso.

A vida verdadeiramente religiosa é aquela que vivemos com compreensão do conflito e libertados do conflito.

Nosso principal interesse, por conseguinte, é este: a compreensão do conflito, interior e exterior. Estes dois (“interior” e “exterior”) não são coisas separadas. O mundo não está separado de vós e de mim; vós sois o mundo e o mundo é vós. Isto não é uma teoria; se observardes bem, vereis que é um fato real. Estais condicionados pela sociedade em que viveis – sociedade comunista, socialista, capitalista ou de outra espécie. Sois considerado como um indivíduo nascido neste país, educado de acordo com uma certa tradição, crendo ou não crendo em Deus. Sois moldados pela sociedade, pelas circunstâncias. Vossas crenças, vossa conduta, vossa maneira de pensar, tudo é resultado de vosso condicionamento pela sociedade em que viveis. Este é um fato óbvio, irrefutável. Mas, separamos o mundo como coisa diferente de nós, porque o mundo é forte demais, com todas as suas pressões, tensões e conflitos, com suas inumeráveis exigências e as condições da existência. E dele nos retraímos para dentro de nós mesmos, refugiando-nos em nossas crenças, nossas esperanças, temores, conceitos especulativos. Por isso, há separação entre nós e o mundo. Mas, se observardes, vereis que o mundo não difere de nós – é como a maré, que flui e reflui. Se não compreenderdes o mundo exterior, não compreendereis o interior. E, para compreendê-lo, deveis observá-lo – não de um dado ponto de vista, porém da mesma maneira como um cientista observa. O cientista só observa em seu laboratório, mas nós, entes humanos, devemos observar o mundo cada dia, em nossas relações, em nossas atividades. E, como disse, para compreendermos toda esta existência complexa, tormentosa, desesperante – existência sem amor e sem beleza – temos de compreender o conflito.

Surge o conflito, decerto, quando há contradição – contradição de diferentes desejos, diferentes exigências, tanto conscientes como inconscientes. Mas, em geral, estamos conscientes desses conflitos. E, se estamos conscientes, não temos solução para eles; por isso, tratamos de distanciar-nos deles, buscando refúgio na religião, no trabalho social ou em entretenimentos vários, tais como ir ao templo, ir ao cinema, ou beber. E só há possibilidade de se resolverem esses conflitos quando a mente é capaz de compreender a si própria.

Vou agora examinar esta questão do conflito. Para compreender o conflito, tendes de observar a vós mesmo. E a observação exige desvelo. Desvelo significa compreensão, afeição: Como quando se cuida de uma criança, em que não há repúdio ou condenação. Cuidar de uma criança é observá-la, sem condená-la, sem compará-la. Observá-la com infinita afeição, imensa compreensão; estudá-la em todos os seus movimentos, em todas as fases de seu desenvolvimento, em suas travessuras, suas lágrimas, seus risos. O observar, pois, exige desvelo. Esse é o primeiro requisito da auto-observação por conseguinte, nunca deve haver um momento de condenação, de justificação ou comparação, porém sempre a observação pura e simples de tudo o que está ocorrendo, a cada momento do dia, quer a pessoa se ache no escritório, ou viajando num ônibus, quer conversando com alguém, etc. Cada um deve observar a si próprio tão completamente, com tão infinito desvelo, que daí resulte a precisão, uma precisão absoluta, e não apenas idéias vagas, ação ineficaz.

Como disse, para observardes a vós mesmo, exige-se atenção completa. Uma mente que está atenta, cônscia de si própria no justo momento em que está a observar-se, está aprendendo a respeito de si mesma. Aprender é coisa toda diferente de acumular conhecimentos. Acho que isso deve ser compreendido muito cuidadosamente. A maioria de nós acumula conhecimentos. Da infância até à morte, estamos sempre registrando; nossa mente se tornou uma espécie de fita de gravação, na qual tudo se vai registrando. De acordo com tal registro, nós atuamos, pensamos, reagimos; e a esse registro vamos acrescentando coisas e mais coisas, todos os dias, consciente ou inconscientemente. Guardamos toda experiência, toda informação, todo incidente, toda lembrança. E a isto chamamos experimentar, aprender. Mas isto, em absoluto, não é aprender; aprender é coisa de todo diferente. No momento em que se começa a acumular, deixa-se de aprender. Pois só a mente que está fresca, que é nova, só a mente que observa com atenção, aprende.

Penso que devemos perceber a diferença entre estas duas coisas. O conhecimento técnico é acumulativo. A ele vai-se acrescentando mais e mais, e é com base nesse conhecimento que atuamos. Se sois engenheiro, se sois físico, tratais de acumular a maior soma possível de conhecimentos para trabalhar com base nesse conhecimento acumulado. E, por essa razão, nunca há liberdade. É sempre um agir de acordo com o que se aprendeu, consoante o que se adquiriu. No nível do conhecimento técnico, tal ação, tal memória, tal processo acumulativo é absolutamente necessário. Mas nós estamos falando de coisa inteiramente diferente, ou seja que o observar com atenção não implica processo aditivo. Porque, se ficamos meramente adicionando, adquirindo, então, no minuto seguinte de nossa observação, observamos com base no que temos acumulado e, por conseguinte, já não estamos observando. Compreendei isso, por favor.

É importantíssimo compreender que, quando a mente está sempre acumulando, acrescentando algo a si própria e de tal base observando, então tudo o que ela observa recebe o colorido do que antes foi aprendido, do conhecimento prévio. Essa mente, por conseguinte, é incapaz de compreender um fato novo. E a vida é sempre nova; o viver é algo totalmente novo, a cada minuto do dia. Mas, perdemos esse frescor, esse extraordinário sentimento de vitalidade, de beleza, de imensidão, porque vamos sempre ao encontro da vida com nosso conhecimento acumulado e, conseqüentemente, nunca estamos aprendendo, porém apenas adicionando mais alguma coisa às já existentes; com base nesse adicionamento, observamos as coisas, na esperança de aprender.

Assim, a mente que é séria, que está bem consciente da situação mundial, percebe que o mundo se acha num estado de angustiosa confusão. Nota-se um constante declínio em todas as nações; só uns poucos são capazes de funcionar inteligentemente, em liberdade talvez; os demais se limitam a imitar – são pobres imitações dos computadores, sua ação é ineficaz. A dor, a angústia, a ansiedade, o desespero é que são fatos, e não vossas crenças, vossas esperanças, vossos deuses; o fato do desespero, da ansiedade, da extraordinária persistência do sofrimento, sofrimento sem fim; a crescente animosidade e brutalidade – eis o mundo a que pertenceis. E a função da mente verdadeiramente séria é compreender e transcender esse mundo. A mente séria deve observá-lo. Isto é, deveis observar a vós mesmos, porque vós sois o mundo; porque há em vós angústia, sofrimento, solidão, desespero, ansiedade, medo, porque sois impelido pela ambição, a avidez, a inveja – sois esse mundo. Não sois o que pensais ser – que sois Deus, etc. Isto é só absurda especulação. Tendes de partir dos fatos e tendes de aprender a respeito de vós mesmo.

Há, pois, diferença entre aprender e acumular conhecimento. O aprender é infinito, não há fim no aprender a respeito de si mesmo. E, por conseguinte, a mente que não está acumulando, porém aprendendo, é capaz de observar seus conflitos, suas tensões, suas dores e secretos desejos e temores. Se assim fizerdes, não acidentalmente, porém todos os dias, todos os minutos – e isso é possível – se vos mantiverdes em constante observação, vereis que adquirireis uma energia extraordinária. Porque então a autocontradição estará sendo compreendida.

Com a palavra “compreender” não me refiro a algo intelectual. A mente que está fragmentada nunca compreenderá nada. Quando digo que “compreendo uma certa coisa intelectualmente”, o que realmente estou dizendo é que ouço a palavra e compreendo a palavra; isso nada tem que ver com a compreensão. Compreensão implica não só o aspecto semântico, isto é, o sentido da palavra, mas também a apreensão do inteiro conteúdo dessa palavra e de seu significado conforme se aplica a nós mesmos. A compreensão, pois, não é uma simples questão de “cerebração” (mentation)(1) mera operação intelectual. Só podeis compreender alguma coisa quando lhe aplicais vossas mente, vosso corpo, vossos sentidos, vossos olhos, vossos ouvidos, tudo. E dessa compreensão resulta a ação total, e não ação fragmentária, contraditória.

Nessas condições, o que interessa – principalmente àqueles que são deveras sérios – é compreender. E a vida exige seriedade, pois não se pode viver neste mundo levianamente. Não podeis estar interessado apenas em vossas próprias aflições, vossos próprios divertimentos, vossos próprios temores. Sois uma parte do mundo e deveis compreender a vós mesmo e ao mundo. Essa compreensão exige extraordinária seriedade, e isto constitui imensa tarefa. E quando sois sério, deveis levar essa compreensão ao extremo, até perceberdes tudo o que a existência implica.
E, também, o conflito é algo que temos de compreender, compreender, e não dominar. Não tenteis negá-lo, não tenteis fugir dele, porém tratai de compreendê-lo, de ver todo o seu significado, de perceber as várias contradições, na palavra, no pensamento, na ação. Em geral, vivemos vidas duplas, ou triplas, ou múltiplas! Funcionamos fragmentariamente, nosso existir é fragmentário; desejamos ser mundanos; desejamos ter todos os confortos que nos são devidos. O conforto, obviamente, é necessário; mas com esse conforto vem a exigência de segurança. Não só desejamos estar seguros em nossos empregos – reação natural e sã – mas também desejamos estar seguros psicologicamente, interiormente.

É possível, em algum tempo, estar-se em segurança psicológica, – isto é, estarmos psicologicamente seguros em nossas relações e psicologicamente seguros em relação àquilo com que estamos identificados? A segurança exterior é evidentemente necessária. Exteriormente, é absolutamente necessário termos morada, um lar, emprego; mas não nos contentamos com isso. Queremos estar em segurança psicologicamente, interiormente; e aí começam as nossas tribulações. Nunca indagamos se existe realmente segurança interior; entretanto, dizemos que precisamos de estar em segurança interiormente, e nasce assim a ilusão. A partir desse momento, começa a desenrolar-se uma série de conflitos, de conflitos intermináveis.

Cumpre-nos, pois, descobrir a verdade em relação a essa formidável questão da segurança psicológica – sem procurarmos saber o que outro qualquer diz. Psicologicamente, vemo-nos inseguros; por essa razão criamos deuses, deuses que se tornam nossa segurança permanente! Isso gera conflitos. Compreendeis o que entendemos por “conflito”? Entendemos: a contradição; a ação fragmentária; os pensamentos que se chocam; os desejos conflitantes entre si; as exigências contraditórias; as pressões do mundo e a exigência interior de viver em paz com o mundo; a aspiração a encontrar algo além da existência diária, monótona, estúpida; o ver-nos presos na engrenagem da existência diária e desesperadora; o nunca termos uma solução para nosso desespero; a angústia imensa, não apenas pessoal, mas também a angústia do mundo, e nunca encontrarmos uma saída dessa angustia. Eis todos os fatores que geram a contradição – dos quais podemos estar conscientes ou não. Onde a mente se acha em contradição, tem de haver conflito.

E, sem dúvida, a mente que se encontra em conflito não pode ir adiante; poderá prosseguir na ilusão, mas não é capaz de avançar para descobrir se algo existe além do tempo, além da medida humana. Por certo, esta é a função da religião. A função da mente religiosa é descobrir o verdadeiro. E a verdade não pode ser encontrada num templo ou num livro, por mais venerando que seja. Vós tendes de descobri-la por vossos próprios meios. Não podeis comprá-la com lágrimas, com orações, com repetições, com rituais; por esse caminho se vai ao absurdo, à ilusão, à insânia.

A mente séria, por conseguinte, deve estar cônscia desse conflito. Com “estar cônscio” quero dizer, observar, escutar. Escutar é uma arte. Com efeito, é uma arte extraordinária o escutar um som. Não sei se já escutasses um som – o som de um pássaro pousado numa árvore, ou o distante buzinar de um carro. Pelo escutar – não pelo julgar, pelo identificar tal som com determinada ave ou determinado carro ou determinado rádio da casa mais próxima, porém pelo simples escutar, vereis – se assim souberdes escutar – como vos tornareis extraordinariamente sensível. A mente se torna sobremodo alertada quando escutamos simplesmente – isto é, não interpretando o que ouvimos, não tentando traduzi-lo, não o identificando com o que já conhecemos – pois isso nos impede de escutar. Mas, se escutardes simplesmente – escutardes vossos pensamentos, vossas exigências, o desespero de vossa existência, não tentando interpretar, traduzir nada, não tentando fazer alguma coisa em relação ao que se escuta vereis que vossa mente se tornará sobremodo lúcida.

E só a mente muito lúcida, a mente sã, racional, lógica, em que não há conflito, consciente ou inconsciente – só essa mente pode prosseguir até descobrir, por si própria, se existe uma Realidade. Só essa mente é religiosa. E só essa mente pode resolver os problemas do mundo. Os problemas do mundo são inumeráveis e se estão multiplicando. E se não fordes capaz de resolvê-los lógica, equilibrada, sãmente, com vosso espírito de todo livre de conflito, estareis apenas criando mais confusão, mais angústias para o mundo e para vós mesmo.

A primeira coisa, por conseguinte, que nos cumpre fazer é observar com atenção, todas as murmurações, todos os temores, ilusões, desesperos de nosso próprio ser. E vereis então, por vós mesmos – e para isso não se necessita de provas, nem de gurus, nem de livros sagrados – se a Realidade existe. E encontrareis, então, um extraordinário sentimento de libertação do sofrimento. Aí existe a claridade, a beleza e aquela coisa que está faltando hoje à mente humana: o amor, a afeição.

Krishnamurti


27 de julho de 2014

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