Jardim dos Mestres

Sobre Aceitação

Aceitação é contentamento, é paz e harmonia, é alegria, serenidade, devoção, veneração, liberdade, paciência e tolerância, simplicidade, humildade, perdão, consciência e compaixão, o que significa amor, fraternidade.

Aceitação é a capacidade de reconhecer os fatos como eles são, embora não seja o contrário da fuga, da negação.

Aceitar-se é ser humilde e espontâneo, é aceitar nossa própria realidade e a realidade externa a nós, sem aumentá-la ou diminuí-la. É aceitar que somos normais, comuns, iguais a todos os outros seres, que não somos nada de especial.

Aceitação não é comodismo ou conformismo. É algo que vem da percepção mais pura, da consciência. Não é indiferença, é compaixão, é amor. Não é inação, estagnação. É o início da reta de ação.

Sofremos quando não nos aceitamos, quando não aceitamos os outros, os fatos, as situações. Como afirma a filosofia budista, a origem do sofrimento está no desejar, aceitar é não desejar. Logo, não aceitar é desejar, desejar ser diferente, desejar que os outros sejam diferentes, que os fatos, as situações sejam diferentes.

Aceitação é o remédio, o antídoto para a rejeição, para a repulsa. A rejeição é o desejo de que algo seja diferente, de que algo não aconteça ou não volte a acontecer. Assim, a aceitação é antídoto também para os desejos, expectativas, esperanças fantasiosas.

Vivemos em luta contra nós mesmos, vivemos em constante auto-repressão, não aceitamos nossos limites, nossos defeitos, nossas dificuldades. Queremos sempre parecer o que não somos aos olhos dos outros, algo que está além de nossas capacidades; queremos ser diferentes, queremos que as coisas, as situações, sejam diferentes.

Devemos aceitar aquilo que não podemos mudar e relaxar, pois, se não é possível mudar, não há o que fazer senão aceitar. É estupidez de nossa parte nos preocuparmos com o que não podemos mudar. É estupidez reclamarmos, criticarmos, irritarmo-nos, ficarmos nervosos, com raiva, quando a mudança de uma situação não está ao nosso alcance.

Temos de aceitar que sofremos para podermos perceber o sofrimento. Refletir sobre o sofrimento é o primeiro passo para nos livrarmos dele. Enquanto o negarmos, continuaremos sofrendo, sem a menor possibilidade de mudança.

Devemos aceitar que temos orgulho, pois só assim poderemos compreender o nosso orgulho. Devemos aceitar que a humildade faça parte de nós, pois esta é uma das grandes armas contra o orgulho. Porém, não podemos nos identificar e achar que já somos humildes, sem sê-lo de fato. Desta forma, caminhamos para a estagnação, para o auto-engano, e paramos de nos autoconhecer. A identificação nos cega e nos impede de aceitar pessoas e situações. Devemos aceitar tanto a humildade quanto o orgulho que se processam dentro de nós para compreendê-los verdadeiramente. Assim vamos crescendo em humildade e consciência.

Precisamos nos permitir acertar e errar, precisamos nos permitir ser ridículos, dançar, gritar, brincar, rir ou chorar.

Toda identificação, toda auto-definição, gera a não aceitação, pois, ao assumirmos que somos algo, ao incorporarmos algo à nossa auto-imagem, somos acompanhados pela pressão para manter esta auto-imagem, pela cobrança de transmitirmos aos outros uma determinada impressão, pela tensão do risco de se expor, de passar uma impressão contrária ou diferente da nossa auto-definição. Não nos aceitamos como somos verdadeiramente. Se já definimos que somos bons, então temos que mostrar ao mundo que somos bons, temos que lutar para manter tal aparência, temos que carregar este fardo. Não aceitamos nosso lado mau.

Somente aceitando nosso estado interior poderemos passar ao estado seguinte. Aceitar nossos limites, nossos defeitos, nossas dificuldades, nossos erros, é um ato de coragem, de força, de confiança; é um ato de humildade. Somente pela aceitação de nossos erros, somente quando nos permitimos errar, é que realmente aprendemos.

Precisamos aceitar que não somos perfeitos, aceitar nossos limites, defeitos, dificuldades, erros. A busca por perfeição é proveniente do orgulho, da vaidade, e, por isso, é também um fardo muito difícil de se carregar. A busca por perfeição, cedo ou tarde, acaba nos levando a achar que somos melhores do que os outros, que já somos isso ou aquilo. Na busca por perfeição, somos enganados pelo ego e nos identificamos. E, nessas condições, o auto-conhecimento se torna impossível.

Diz uma famosa junguiana:

Individuação significa ser revelado como pessoa total – não perfeita, senão completa. Se fazemos algo errado, devemos enfrentar a infelicidade, a tristeza, a raiva, e, sem nenhuma queixa, devemos aceitar as conseqüências deste erro. Não podemos continuar a negar os sofrimentos, as dores, a vergonha e o medo que resultam de nossos erros, de nossas falhas, de nosso desconhecimento. Temos que enfrentá-los. Somente assim poderemos compreendê-los.

O fato de não nos aceitarmos, não aceitarmos nossos erros, nossos limites, defeitos, dificuldades,  nos leva a criar mentiras, desculpas, justificativas, explicações, falsidades, fingimentos, dissimulações.

Aparentemente, aprendemos a aceitar os erros, pregamos palavras bonitas, mas, na verdade, não vivenciamos isso na profundidade do nosso Eu. Ou seja, na prática nada disso acontece, pois não compreendemos o ensinamento como deveríamos. Não nos importamos tanto com os erros do outro, mas, quando somos nós a cometer esses erros, não aceitamos o fato; e nos culpamos e nos torturamos por isso.

É preciso aceitar pais, professores, chefes, filhos, vizinhos. Todos estão fazendo o que lhes é possível, segundo seus limites, suas expectativas, suas capacidades, seus conceitos e preconceitos, segundo suas percepções. Todos têm suas necessidades, seus desejos, suas preocupações. Todos querem ser felizes, assim como nós.

Devemos praticar a aceitação de todos aqueles que, como nós, são dominados pela raiva, medo, ansiedade, apego, desejos, tristeza, ganância, ignorância, ou por quaisquer outras emoções ou sentimentos que aprisionam o ser.

A aceitação deve ser sentida no coração, de forma que a mente não mais fique a tagarelar sobre pessoas, situações, ou sobre nós mesmos.

Temos a responsabilidade de sermos nós mesmos, mas não temos coragem e força para tal, pois conferimos esses elementos a terceiros. Precisamos assumir de volta, resgatar, a responsabilidade sobre nós mesmos. Precisamos parar de querer parecer o que não somos aos olhos dos outros e assumir o que realmente somos para nós mesmos agora. Precisamos ousar, precisamos ter a coragem e a força de sermos a nossa própria verdade.

Precisamos nos aceitar agora, já. Não depois de atingirmos tal lugar, posição, condição; não depois de termos conquistado isso ou aquilo, pois, se condicionarmos a nossa aceitação, nunca nos aceitaremos, nunca aceitaremos os outros. O condicionamento da aceitação é uma fuga, uma desculpa, uma explicação para a nossa incapacidade de aceitar as coisas como são. O condicionamento da aceitação é uma forma de nos enganarmos. Se enganamos a nós mesmos, então é natural que os outros nos enganem também, pois estamos atraindo o que é falso. Como diz Krishnamurti,  “o primeiro passo é sempre o último passo”;. Assim, o primeiro passo para conseguirmos nos aceitar plenamente um dia é começar a desenvolver o processo da aceitação agora.

Geralmente aceitamos as coisas sob condições. Mas estas condições são provenientes de nossa arrogância, orgulho, vaidade. Em nossa arrogância, só aceitamos as coisas, as pessoas, quando elas se apresentam como achamos que deveriam ser ou estar. Aceitamos os outros na medida em que somos aceitos. Aceitamos as coisas na medida em que podemos controlá-las, na medida em que não nos oferecem riscos, na medida em que nos são vantajosas, convenientes.

Muitas vezes, chamamos de loucas as pessoas que parecem viver em liberdade, que riem, que dançam, que abraçam, que beijam. Essas pessoas podem nos causar raiva e irritação. Passamos a criticá-las, não as aceitamos, por sermos reprimidos, por não nos aceitarmos. Na realidade, o que queríamos mesmo era ser como elas, colocar para fora esses sentimentos. Também queríamos ser livres, felizes, mas estamos escravizados por nosso ego. Precisamos nos aceitar, passemos nós a sermos os “loucos”.

Criticamos, reclamamos de tudo e de todos. Não percebemos que toda crítica, reclamação, indignação, são formas de expressar a não aceitação, pois acontecem quando não aceitamos os outros, quando não aceitamos as situações como são. Tais reações são sinais de descontentamento e falta de aceitação, são reflexos do nossa insatisfação com a nossa própria pessoa, da falta de aceitação de nós mesmos.

Não aceitamos os outros e queremos que os outros nos aceitem. Não desculpamos os outros e queremos que os outros nos desculpem. Não respeitamos os outros e queremos que os outros nos respeitem. Não perdoamos os outros e queremos que os outros nos perdoem. Mas não paramos para perceber que tudo isso é uma simples consequência do fato de não nos aceitamos, de não nos respeitarmos, de não nos perdoarmos, de vivermos nos culpando, nos cobrando.

Não nos aceitamos, não nos respeitamos, e depois ficamos com raiva daqueles que não nos aceitam, que nos rejeitam, que não nos valorizam, que nos traem, que nos passam para trás. Mas não paramos para perceber que somos os primeiros a agirmos dessa maneira com nós mesmos.

Sem percebermos, com a não aceitação de nós mesmos e dos outros, vamos fortalecendo nosso ego, ampliando nosso lado sombra, nossas trevas, aumentando nossas ilusões sobre nós mesmos e sobre a realidade. Vivemos nos projetando e nos identificando, ao rejeitarmos ou aceitarmos nossos próprios reflexos nos outros. Aceitação é a reintegração das partes de nosso Ser.

Dificilmente admitimos que não nos aceitamos. Buscamos sempre a aceitação dos outros, não suportamos a dor da rejeição, que é a dor da nossa própria rejeição. Vivemos tentando evitá-la, sem perceber que estamos correndo de nós mesmos. Em termos de aceitação, pode-se afirmar que ninguém, ao longo do tempo, foi pior para nós do que nós mesmos. Sim, fomos nós nossos maiores algozes.

Enquanto não nos aceitarmos ficaremos correndo atrás da aceitação dos outros. Porém, o desejo de ser aceito traz consigo o medo da rejeição. Quando nos aceitamos, ficamos livres, não somos mais escravos dos nossos demônios e nem dos demônios alheios, não somos mais prisioneiros do nosso orgulho e nem do orgulho alheio.

Temos que aceitar os defeitos de cada um. Esta atitude é a forma indireta de nos aceitarmos, uma vez que o que vemos nos outros são apenas reflexos de nós mesmos. Se não aceitamos alguém é porque não temos nenhum respeito por essa pessoa e, por consequência, nenhum respeito por nós também.

Se alguém faz algo que nos desagrada, precisamos tentar considerar e aceitar hipóteses como: talvez essa pessoa não tenha percebido que nos desagradou; talvez não tenha compreensão do que esteja fazendo; talvez esteja insegura, com medo, tentando se defender; talvez seja orgulhosa, reprimida ou simplesmente esteja com vergonha. Devemos considerar, ainda, que talvez tudo isso seja apenas uma projeção nossa.

Quando alguém faz algo que nos desagrada, devemos procurar ver a situação por outro ponto de vista, buscando aceitar a situação, buscando aceitar esse alguém.

Não são os outros que não aceitam nossas opiniões, somos nós que não aceitamos que os outros não aceitem nossas opiniões. Somos nós que não aceitamos que os outros tenham opiniões diferentes das nossas. Chamamos de teimosos àqueles que não concordam facilmente como a nossa opinião. Chamamos de bagunça toda forma de organização diferente da nossa. Chamamos de egoístas todos aqueles que não agem apenas pensando em nosso benefício.

Cada um de nós teve suas próprias experiências, tirando suas próprias impressões, experimentando suas próprias sensações, que, com o tempo e a repetição, geraram condicionamentos, medos, traumas, conceitos, preconceitos, repressões e tantas outras limitações.

Para alguns, a procura incessante por atenção, carinho, aceitação, está ligada a fatos como, por exemplo, ter apanhado dos pais, ter sido motivo de riso dos colegas ou reprimido por parentes e professores. Para outros, ao contrário, está no fato de ter se acostumado com bajulações e mimos excessivos.

Devemos buscar compreender o que se passou para que uma pessoa tenha agido de determinada forma. Talvez tenha sido aquela a melhor forma que encontrou para nos ajudar, ensinar, passar uma informação. Assim, tão logo compreendida uma situação, estamos prontos e devemos aceitá-la. Só a compreensão pode trazer a aceitação.

Quando somos cobrados, ofendidos, criticados por alguém, devemos aceitar. Possivelmente, esse alguém está apenas se projetando. Podemos, ou não, ser objetos da projeção de terceiros. Independente do que os outros achem, a escolha é nossa. Uma coisa é aceitar a projeção e se identificar, outra é aceitar as pessoas como elas são. Precisamos estar alertas, conscientes.

A vida não tem nada de errado. Nós é que a destruímos, atrapalhamos, nós é que queremos controlá-la, mudá-la. Nós é que julgamos, que não aceitamos. A vida segue leis naturais. E nós insistimos em perturbar essas leis. Não existem ganhos ou perdas, tudo isso é uma grande ilusão. O que existe é apenas aprendizado. Deixemos que a vida faça a sua parte e façamos nós a nossa. Tenhamos confiança e fé no Divino, fiquemos em paz, aceitemos a vida como ela é, paremos de tentar modificá-la.

Precisamos deixar o destino seguir seu rumo, aceitando as mudanças e confiando, por mais estranhas que elas possam parecer à primeira vista.

Quando não aceitamos os fatos como são, estamos sendo orgulhosos, arrogantes. Tão arrogantes que nem percebemos que, no fundo, estamos achando que podemos fazer as coisas melhor do que Deus.

Disse um grande estudante de mitologia:

Você deve dizer ‘sim’ ao milagre da vida, tal como é, e não sob a condição de que ele siga as suas regras. Caso contrário, você nunca chegará à dimensão metafísica.

Certa vez, na Índia, pensei que gostaria de conhecer um grande guru ou mestre, face a face. Assim, dirigi-me a um celebrado mestre chamado Sri Krishna Menon, e a primeira coisa que ele me disse foi: “Você tem alguma pergunta?”

O mestre, nessa tradição, sempre responde a perguntas. Ele jamais lhe diz qualquer coisa que você não esteja apto a ouvir. Então eu disse: “Sim, eu tenho uma pergunta. Já que no pensamento hindu tudo no universo é manifestação da própria divindade, como poderei dizer ‘não’ a qualquer coisa no mundo? Como poderei dizer ‘não’ à brutalidade, à estupidez, à vulgaridade, à incúria?”

E ele respondeu: “Por você e por mim, o certo é dizer sim.”

Então mantivemos uma maravilhosa conversação sobre o tema da afirmação de todas as coisas. Isso confirmou a sensação que eu havia tido: quem somos para julgar?

Quando alguém critica, reclama, certamente não se aceita, se cobra demais, e está projetando sua autocobrança, sua não aceitação de si mesmo, sua autocrítica. Certamente, está carregando um pesado fardo de orgulho, auto-imagem, auto-importância, apego a si mesmo e a suas idéias. Tudo isso é motivo de tristeza, infelicidade, dor e sofrimento para este alguém. Assim, devemos aceitar e ter compaixão dos que criticam, ofendem, reclamam.

Quando nos aceitamos, não importa se nos acham feios ou bonitos, gordos ou magros. Quando nos aceitamos, podemos deixar um espaço para a rejeição dos outros, podemos aceitar essa rejeição, tão possível de acontecer. E podemos também perceber que nada disso tem importância real. Quando nos aceitamos, passamos a ver esses conceitos e preconceitos como agentes que nos aprisionam. Só assim podemos aceitar os que pensam e agem desta forma, pois entendemos que estão aprisionados em idéias. Só assim podemos ter compaixão, pois entendemos seu sofrimento nas prisões que criaram.

Em termos de compreensão da verdade, todos somos crianças. Aquele que percebe a verdade, aquele que se torna homem, deve aceitar as outras crianças, uma vez que, um dia já foi criança também.

Se o homem não conseguir aceitar os outros e as coisas como são, então sua mente ainda se encontra nublada por seu ego.

No dia em que percebermos a nossa enorme ignorância e como é vasto o nosso auto-engano, o
nosso desconhecimento da vida, a nossa nulidade, poderemos passar a aceitar as coisas como são. Então
teremos dado o maior passo de nossas vidas, o primeiro passo. Neste momento, nos tornaremos aptos a
abrir espaço para o aprendizado, para perceber que nossas idéias não são perfeitas, não são verdades
absolutas. Neste momento, estaremos prontos para aceitar nossos erros. Antes disso, porém, estaremos
presos, cegos pelo orgulho, pela vaidade, pela paixão nutrida por nossa auto-imagem, pela auto-
importância. Antes disso, estaremos impossibilitados de expressar compaixão, estaremos impossibilitados
de amar.

 


21 de agosto de 2016

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