Jardim dos Mestres

Meditação de Equilíbrio

A meta da prática do Mahayana é atingir o estado de totalidade perfeita, de iluminação, de forma a auxiliar outras pessoas a atingi-lo também. A aspiração de fazer é conhecida como “a mente da iluminação” (em sânscrito: bodhicitta), e é a experiência de abrir nosso coração a todos os seres, permitindo que o amor e a compaixão fluam para todas as pessoas, sem qualquer limitação. Uma pessoa que possua bodhicitta efetivamente se sente responsável por aliviar o sofrimento de todos os seres viventes e levá-los à felicidade.

Podemos começar a cultivar a mente da iluminação agora, na nossa vida cotidiana, sendo expansivos e bondosos com as pessoas que encontramos: sendo pacientes com elas e percebendo suas necessidades. É fácil, contudo, nos enganarmos, desempenhar o papel de uma pessoa amigavelmente expansiva enquanto escondemos nossos sentimentos de irritação e intolerância. Desse modo, é importante nos comunicarmos com nossos sentimentos enquanto também nos esforçamos para nos estendermos aos outros, e isso é feito mais eficientemente na concentração da meditação.

 Normalmente discriminamos: gostamos ou não de todas as pessoas que conhecemos ou somos indiferentes a elas. Essas relações são em sua maior parte egocêntricas, baseadas no fato de a pessoa parecer agradável, desagradável ou desinteressante ao nosso ego.

 Na raiz dessa discriminação encontra-se nossa má interpretação instintiva do modo como as coisas existem, especialmente nosso próprio eu. Este problema sempre esteve conosco e nos estruturamos cuidadosamente nele durante toda vida, pensando e acreditando “sou assim e sempre serei; isso é bom para mim, e aquilo não”.

 Nossa crença nisso causa o desejo de protegê-lo e alimentá-lo. Tudo que fazemos é em função desse eu. Ele possui necessidades que têm de ser atendidas; ele tem que encontrar a felicidade e evitar a dor. O eu gosta desta pessoa porque ela o faz feliz e não gosta daquela pessoa porque ela lhe causa dor. Tudo é encarado a partir da perspectiva das necessidades desse eu.

 Nossa compreensão equivocada básica do eu torna falha nossa percepção. Se analisarmos e procurarmos o eu permanente e fixo que parece estar flutuando de mente e corpo que viaja pela vida, experimentando alegria, problemas, amor, frustração. Encontramos pessoas, interagimos com elas brevemente de modo negativo ou positivo, e então nos separamos. Nada dura, nada é estável.

 Quanto mais nos agarramos a esse eu irreal e tentamos atender as suas exigências, mais profundamente nos enterramos em problemas e confusão. A classificação que fazemos das pessoas em “amigos”, “inimigas” e “estranhas” é provavelmente o melhor exemplo disso.

 Supomos que a pessoa de quem gostamos possui inerentemente boas qualidades e que a pessoa de quem não gostamos é intrinsecamente má. Comportamo-nos como se essas qualidades fossem permanentes e imutáveis; achamos que sempre estaremos perto da pessoa que rotulamos de “amigo” e que nunca estaremos perto da pessoa de quem não gostamos. Além disso, é difícil imaginar que a pessoa desinteressante que vemos na rua poderia algum dia se tornar um amigo.

 Porém, essas suposições estão erradas, como nossa própria experiência nos mostra. Os relacionamentos podem mudar e de fato o fazem. Temos dificuldade para nos comunicar agora com pessoas que eram íntimas a nós, e outras que não podíamos tolerar são agora caras amigas.

 As pessoas mudam, nossos pensamentos e sentimentos mudam, as situações mudam. As mudanças que fazem com que vejamos um amigo como um inimigo podem ocorrer de um minuto para outro, de um ano para outro, de uma vida para outra. As razões para que encaremos alguém como um amigo, inimigo ou estranho não são sólidas nem incontestáveis. Porém, o fato de nos prendermos a elas como se o fossem impede que vejamos as coisas como realmente são e torna difícil lidarmos com a mudança quando ela ocorre.

 A Prática

 Sente-se de modo confortável e gere a forte intenção de realizar esta meditação no intuito de desenvolver uma perfeita serenidade. Talvez você deseje fazer algumas das orações.

 Imagine três pessoas no espaço à sua frente: alguém de quem você gosta, alguém de quem você não gosta e alguém que lhe é indiferente. Retenha a imagem do seu amigo, do seu inimigo e do estranho durante toda a meditação.

 Em primeiro lugar, centralize sua atenção em seu amigo. Permita que os seus sentimentos por ele ou ela venham à tona. Sinta a convicção de que essa pessoa é decididamente amiga, que dizer, uma pessoa que é boa para você e que satisfaz suas necessidades. Sinta como você realmente deseja que essa pessoa seja feliz. Mergulhe nos seus bons sentimentos.

 Agora, volte-se para seu inimigo, a pessoa de quem você não gosta e que não é boa para você, que não satisfaz suas necessidades; que o aborrece e que o faz ficar zangado; que o machuca. Observe cuidadosamente esse homem ou essa mulher; registre cuidadosamente seus sentimentos.

 Agora, reconheça que a base para o seu relacionamento com essas três pessoas é exclusivamente o que elas fazem ou não fazem por você, no momento. Essa é uma base sólida? Dada a visão budista de que nossas mentes não tem início, segue-se que todo mundo já foi nosso amigo, inimigo e estranho inúmeras vezes antes, e assim sendo não é sensato ser bondoso com seus inimigos agora por eles já terem sido seus amigos anteriormente?

 Agora, volte ao seu amigo e imagine uma situação que faria o relacionamento terminar. Imagine seu amigo se voltando contra você: sinta o ressentimento e a dor, e como você não se sente mais afetuoso, não mais deseja o bem dele ou dela. Onde está seu amigo agora?

Lembre-se de que essa pessoa não era sua amiga antes de vocês se conhecerem, e poderia muito facilmente deixar de sê-lo agora, como você visualizou.

 Perceba que não existe uma razão sólida para se sentir bondoso e terno apenas com relação ao amigo deste momento. Os relacionamentos mudaram no passado e continuarão a mudar. O amigo de hoje poderá se tornar o inimigo de amanhã.

 Agora, volte-se para o inimigo atual. Imagine uma situação em que vocês pudessem ser colocados juntos: um interesse comum, uma palavra de elogio ou de bondade. Observe cuidadosamente a pessoa, e seus sentimentos: você está cedendo? Você pode aprender a se sentir afetuoso com relação ao seu inimigo. Isso já aconteceu antes e acontecerá novamente. Por que manter tão fortemente a concepção de que ele é decididamente “inimigo”?

 E quanto ao estranho? Imagine como um ato de afabilidade ou de raiva de parte dessa pessoa poderia imediatamente transformá-la num amigo ou num inimigo. Não existe ali qualquer estranho que o seja de modo intrínseco e definitivo e nenhuma razão forte para os seus sentimentos de indiferença. Lembre-se de que o seu amigo e o seu inimigo atuais eram-lhe estranhos anteriormente; esse estranho poderia agora se tornar um amigo ou um inimigo.Mantenha as três pessoas nitidamente à sua frente. Pense a respeito da frágil impermanência desses relacionamentos. É somente a crença equivocada na estabilidade deles que mantém sua mente afastada da possibilidade de mudança.

 Seu amigo, seu inimigo e o estranho desejam a felicidade tanto quanto você: nesse aspecto todo mundo é igual; e todo mundo é igual quanto a possuir o potencial de desenvolver suas mentes ao máximo e atingir a clareza e a compaixão finais. As diferenças que vemos nas pessoas são superficiais, baseadas nos nossos pontos de vista estritamente egocêntricas e erradas. Na verdade, todo mundo é igual no sentido de merecer nossa atenção e nossa compaixão.

 Nada disso significa que não devemos discriminar, a um nível prático isso é necessário. Naturalmente nos sentimos mais próximos de algumas pessoas e é prudente nos mantermos distantes de outras. Isso não é uma contradição. O objetivo da meditação é desenvolver interesse e consideração iguais por todos, independentemente de eles nos ajudarem ou nos causarem mal neste momento, e perceber que nossa discriminação atual está baseada em rótulos arbitrários, errados e extremamente mutáveis.

 Finalmente, dedique sua energia positiva e seu conhecimento intuitivo ao bem-estar e à felicidade de todos.

Kathleen McDonald
Como Meditar – Um Guia Prático
(pp. 84-87)


22 de setembro de 2012

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