Jardim dos Mestres

Sobre a Raiva

Um dia alguém disse que a raiva podia ser um sentimento bom, uma vez que dela provinha o impulso para realizar transformações, grandes feitos. Não parece ser este um conceito muito sensato, pois a raiva destrói; destrói nossa mente, nosso estômago, nosso cérebro, etc. Raiva não é vontade. Vontade é uma força bem diferente disto.

Se precisamos de um impulso para nos motivar a agir, certamente a raiva não é o melhor deles, já que anda sempre ao lado de pares ruins, como o orgulho e a vaidade, por exemplo.

A raiva não é boa conselheira, pois nos leva a agir inconscientemente com sentimentos negativos, como é o caso do orgulho e da vaidade, acima mencionados. A raiva nos cega. Os resultados de ações movidas por ela nunca serão benéficos.

Diz Samael Aun Weor em “A Revolução da Dialética”:

A cólera aniquila a capacidade de pensar e de resolver os problemas que a originam. Obviamente, a cólera é uma emoção negativa.

Cultivamos padrões de pensamentos, emoções que vêm de longo tempo, anteriores mesmo à nossa existência, como, por exemplo, o ódio entre países ou entre crenças. Muitas criaturas sequer sabem por que se odeiam.

Criamos expectativas fantasiosas, que se transformam em frustrações e geram raiva; raiva da vida, raiva de pessoas e coisas que nos contrariam, raiva de nós mesmos por termos criado essas fantasias, por termos acreditado em ilusões.

E sempre tentamos nos justificar, dizendo que tivemos motivos para sentir raiva, para nos irritarmos, para ficarmos nervosos. Mas a verdade é que não existe um motivo real para que isso aconteça, não existem motivos externos para a raiva, os motivos são sempre internos.

Muitas vezes a raiva vem de uma má interpretação das situações, de uma impressão distorcida dos fatos, de uma visão egocêntrica dos fatos, uma visão identificada, viciada. A raiva normalmente está dentro nós mesmos, e acabamos por projetá-la nos outros. Ela tem origem nos conflitos internos, em nossos desejos muitas vezes antagônicos.

Se nos irritamos, se ficamos nervosos, agressivos porque alguém nos provoca, então vamos mal. Estamos sendo escravos e fantoches de terceiros; estamos submetidos aos poderes de outrem. E perceber isto também pode nos deixar com raiva, com raiva de nós mesmos, o que pode levar à negação ou à transferência deste sentimento para alguém ou alguma coisa.

Existe uma história interessante atribuída ao colunista Sidney Harris. Contam que um certo dia, ele acompanhava um amigo à banca de jornais. O amigo cumprimentou o jornaleiro amavelmente, mas, como retorno, recebeu um tratamento rude e grosseiro. Pegando o jornal que foi atirado em sua direção, o amigo de Harris sorriu polidamente e desejou um bom fim de semana ao jornaleiro. Quando os dois amigos desciam a rua, o colunista perguntou:

– Ele sempre lhe trata assim com tanta grosseria?

– Sim , infelizmente é sempre assim.

– E você é sempre tão polido e amigável com ele?

– Sim, sou.

– Por que você é tão educado, já que ele é tão indelicado com você?

– Porque não quero que ele decida como eu devo agir.”

É fácil observar que, se nos irritamos, se ficamos nervosos, irados diante de uma provocação, então estamos sendo escravos dos outros e dos nossos demônios, estamos sendo manipulados por eles.Também não é difícil observar quando nos deixamos escravizar, quando somos facilmente manipulados, com chantagens emocionais, aplicação de rótulos, falsos conceitos, idéias tortas.

Quando a mente sai da serenidade, da paz, nossos conceitos precisam ser revistos, sem o foco no ego, no eu, no mim mesmo, no meu.

Um grande Mestre disse:

O corpo astral tem seus desejos – e os tem às dúzias; há de querer ver–te encolerizado, ouvir–te dizer palavras ásperas, que sintas ciúmes, que sejas ávido por dinheiro, que invejes os bens alheios e cedas ao desânimo. Quererá todas essas coisas e muitas outras mais, não porque deseje prejudicar–te, mas por que lhe aprazem as vibrações violentas e gosta de mudá–las continuamente. Tu, porém, não desejas nenhuma destas coisas e, portanto, deves distinguir os teus desejos dos de teu corpo astral.

A raiva é também uma forma de defesa, apesar de ser uma emoção destrutiva, tanto para os que a sentem quanto para os que se tornam objeto dela. Todos nós temos nossas inseguranças, nossos medos. Uns reagem com ira, outros com inibição ou timidez; cada um tem seus mecanismos de defesa, que variam em função de suas experiências, necessidades, valores.

Vários estudos científicos comprovam que a raiva enfraquece as defesas do organismo e é uma causa importante de doenças e morte prematura. Há indícios científicos de que a expressão repetida da fúria aciona reações bioquímicas nocivas ao organismo. O impulso colérico é relacionado até a algumas manifestações de câncer.

A raiva destrói nossa serenidade, constituindo-se num grande obstáculo ao desenvolvimento da compaixão e do altruísmo. Sua Santidade o Dalai Lama reforça a afirmação de que não é possível superar tal emoção apenas suprimindo-a ou fingindo que ela não existe. Da mesma forma, deixar a raiva fluir sem controle, na esperança de nos livrarmos dela por sua simples vazão, também não resolve. A solução é evitá–la ou transformá–la pelo cultivo de seus antídotos: a paciência e a tolerância.

Diz Sua Santidade o Dalai Lama em “A Arte da Felicidade”:

Um resultado espontâneo da paciência e da tolerância é o perdão.

Precisamos não nos identificar, não lutar contra raiva, não resistir, pois não somos a raiva. Tudo que é passageiro não é real, somente é real o que não muda. Logo, a raiva é uma ilusão, não é real, pois é passageira, momentânea. A paz, sim, é real. Sempre que a raiva se vai, lá está ela: a paz. Não é necessário fazer nada, não é necessário acontecer nada para que estejamos em paz. A paz simplesmente é.

Um grande sábio disse:

Talvez o defeito não seja a raiva, mas a falta de paciência. A impaciência é a falta de bondade.

É muito fácil sermos pacientes enquanto não existe nada nem ninguém chamando pela expressão de nossa paciência. O desafio está em praticarmos a serenidade, a paciência, a tolerância no dia-a-dia, no calor das situações. É assim que forjamos nossas virtudes.

Só depois de termos chegado à compreensão da raiva, do nervosismo exacerbado, da irritação, é que podemos olhar para aqueles que se encontram nesse estado e sentir uma profunda compreensão, uma real compaixão. Através da ignorância do outro, podemos avaliar também o quanto fomos ignorantes, o quanto fomos estúpidos, o quanto nos tornamos ridículos quando vivenciamos este mesmo estado.

É comum nos deixarmos tomar por irritação e raiva sempre que nossos objetivos são frustrados, sempre que alguém ou alguma coisa atrapalha a realização de nossos desejos, sempre que a nossas expectativas de prazer são ameaçadas, sempre que somos privados de situações de comodidade e satisfação.

Condicionamos nossos estados internos, e assim vivemos na expectativa, na ansiedade, na esperança de condições propícias que nos levem à paz e à tranqüilidade. Mas isso não passa de uma ilusão, pois, quando essas tão aguardadas condições não acontecem, ficamos irritados, com raiva.

Construímos em nossa mente situações ideais que nos dão a sensação de segurança, de tranqüilidade, de conforto, de prazer. Quando essas situações são ameaçadas por algo ou alguém, lá estamos nós, dominados pela raiva e pela irritação. Ficamos nervosos, ansiosos, querendo de volta, a qualquer preço, aquela situação onde sentíamos segurança e conforto.

Não há motivo para irritação com algo que não podemos mudar, pois, se não podemos mudar, se isto não está em nossas mãos, não há por que se irritar, não há por que perder a paz e a serenidade, não há por que se preocupar. O que podemos fazer, o que está em nossas mãos, é tentar relaxar e aceitar, é ter paciência, tolerância, serenidade. Isso sim está em nossas mãos, ou pelo menos deveria estar.

Não há motivo para irritação com algo que podemos mudar, pois, se podemos mudar, se a mudança está em nossas mãos, não há por que se irritar, não há por que perder a paz e a serenidade, não há por que se preocupar, basta trabalharmos pacientemente para que a mudança ocorra.

Geralmente, queremos ter razão em disputas e discussões. Se não conseguimos, se os outros não concordam conosco, ficamos irados. Devemos compreender que são apenas idéias, pontos de vista, conceitos e opiniões, que podem divergir ou não, e, por mais nobres que sejam, não passam disso. Mas, movidos por nossas inseguranças, nos apegamos e nos identificamos ferrenhamente com essas idéias. Temos medo de perder a razão, temos medo de ser dominados.

Não são os outros que não aceitam nossas opiniões, somos nós que não aceitamos que os outros não aceitem nossas opiniões. Somos nós que não aceitamos que os outros tenham opiniões diferentes das nossas. Chamamos de teimosos àqueles que não aceitam facilmente nossos pontos de vista.

Egoístas que somos, acreditamos que precisamos ter paciência e tolerância com os outros e nos esquecemos de que os outros também devem fazer o mesmo conosco. Talvez saindo um pouco de dentro de nós mesmos, sendo menos egoístas, possamos perceber que os outros também precisam ter muita paciência e tolerância para conosco. Afinal, não somos tão santos quanto pensamos ser; também nos irritamos, também temos nossas chatices, nossas crises de humor. Esta percepção nos levará a relaxar, e, por conseqüência, a ter muito mais paciência e tolerância com o nosso próximo, que, por sua vez, deve ter a mesma atitude para conosco.

Ao sermos tomados pela raiva, devemos aceitar que estamos com raiva, não devemos resistir, não devemos negar, não devemos fugir das situações, dos sentimentos, das emoções. Devemos aceitar e observar aquilo que estamos sentindo, aquilo que acontece dentro de nós, que tipo de pensamentos habitam a nossa mente. Não temos que continuar negando ou fugindo de nossos demônios. Isso não quer dizer que devemos partir para cima dos outros, que devemos brigar, insultar, ofender. Quer dizer que devemos nos observar, para percebermos como estamos sendo estúpidos, como está sendo idiota o nosso comportamento. A raiva é uma realidade humana, não é uma verdade. Mas é uma realidade, assim temos que observa–la para um dia podermos compreendê–la.

Existe um fenômeno denominado ‘transferência’, no qual transferimos algo que sentimos em relação a nós mesmos para uma outra pessoa, ou o que sentimos em relação a um certo indivíduo para outro indivíduo, ou o que sentimos em relação a determinada coisa para outra coisa. Os itens podem ainda ser misturados, e então a transferência pode se dar de uma coisa para uma situação, de uma situação para uma pessoa, de nós mesmos para uma coisa, e por aí afora. Mas, em ultima análise, devemos ter em mente que a origem é sempre algo que está dentro de nós, algo com nossos próprios demônios.

Se, por exemplo, estamos fazendo um curso que não gostamos mas não temos coragem e ousadia para abandoná-lo e começar outro, se não temos coragem e ousadia para assumir uma mudança de opinião, tudo indica que estamos preocupados demais com nossa auto-imagem. Ela se tornou mais importante do que nossa paz e nossa felicidade. Então sentimos raiva de nós mesmos, mas não conseguimos lidar com isso e transferimos, projetamos, para o que é externo a nós, como, por exemplo, colegas de classe, professores ou a própria instituição.

Em outro exemplo, se moramos em um lugar que não nos agrada, que não é o lugar onde idealizamos morar, ficamos com raiva, raiva de nossa incapacidade, de nossa impotência diante da situação, de nossa falta de força, de coragem, de ousadia. Então, como não conseguimos lidar com a situação, transferimos, projetamos, nossa raiva para terceiros: para os vizinhos, para própria habitação, para os companheiros que moram conosco.

Existe um outro fenômeno chamado ‘compensação’. Neste fenômeno tentamos compensar um sentimento que não admitimos com um contrário, um sentimento que compense o que estamos sentindo. Isso pode acontecer devido aos nossos condicionamentos, nossos padrões, conceitos, preconceitos, falta de aceitação de nós mesmos, da realidade.

Se, por exemplo, sentimos raiva da mãe ou do pai e não admitimos este sentimento, entra em cena um mecanismo de compensação, que protege, valoriza e dá atenção em excesso, mas que não é sincero. Às vezes, chegamos ao ponto de acreditar no que estamos fazendo. Este fenômeno da compensação pode nos levar ao fenômeno da transferência, ou seja, já que não conseguimos lidar com a raiva da mãe ou do pai, então compensamos. Mas a raiva continua lá. Então a transferimos para colegas de trabalho, funcionários, motorista ou cobrador de ônibus, pessoas no trânsito, na rua, enfim, para quem chegar perto.

Sempre que ficamos irritados, nervosos, com raiva, buscamos culpar alguém, alguma coisa, alguma situação, ou seja, não conseguimos lidar com o que estamos sentindo. Então projetamos, transferimos, e assim continuamos sem compreender, pois não assumimos nossas responsabilidades nem a verdade de nossos sentimentos. E, quando assumimos, passamos a nos culpar e nos torturar, ficamos com raiva de nós mesmos.

Um grande Mestre disse:

O teu pensamento acerca dos outros deve ser verdadeiro; não penses a seu respeito aquilo que não saibas. Não suponhas que os outros estejam sempre pensando em ti. Se um homem faz alguma coisa que julgas poder prejudicar–te, ou diz algo que parece ser–te dirigido, não suponhas imediatamente: ‘Ele pretende ofender–me.’. O mais provável é que nunca pensasse em ti pois cada alma tem as suas próprias preocupações e os seus pensamentos não giram, as mais das vezes, em torno senão de si própria. Se um homem te falar colericamente, não penses: ‘Ele me odeia e quer ferir–me.’ Provavelmente, alguém ou alguma coisa o encolerizou e, acontecendo encontrar–te, voltou a sua cólera sobre ti. Procede insensatamente, pois toda a cólera é insensata, mas nem por isso deves pensar falsamente a seu respeito.

Por trás da irritação, da agressividade, da raiva, existem conflitos internos, desejos, esperanças, expectativas. Se ficamos com raiva porque não achamos os sapatos onde esperávamos que eles estivessem, é de se deduzir que tínhamos a expectativa de encontrar os sapatos em um dado local; como não estavam lá e a expectativa foi contrariada, nos irritamos. Em verdade, não há problema algum no fato de os sapatos não estarem no local esperado, mas, por nossa grande estupidez, nossa ignorância, falta de paciência, de tolerância, de gratidão, ficamos irritados, com raiva, quando algo não sai como planejamos. Geralmente, o passo seguinte é ficarmos com raiva de quem mudou ou não colocou os sapatos onde achávamos que deveriam estar – isso porque temos o desejo que os outros façam tudo exatamente da forma que queremos, como pretensamente achamos correto.

Sentimos o impulso da raiva para reclamar, para brigar, para insultar. Mas achamos que não é certo sentí-lo, por causa de nossos conceitos, nossos padrões, nossas necessidades, que entram em conflito com nossos sentimentos e emoções, com outros conceitos e padrões, com outras necessidades. Achamos que não é prudente brigar com a pessoa que praticou a ação, pois ela pode ficar brava, ir embora e nos deixar na mão; ou então poderia ficar magoada e nos rejeitar, aí perderíamos seu carinho, afeto e serviços. Achamos que o outro nunca faz exatamente o que queremos, como queremos; não faz certinho, e sempre sobra para nós, os perfeitos, os salvadores do mundo, corrigir seus erros. Por preguiça ou má vontade, não queríamos ter trabalho nenhum. Então ficamos irritados por isso, com raiva. Achamos que os outros, sim, tiveram preguiça e má vontade. Estes conflitos de padrões com conceitos, conceitos com necessidade, etc. geram uma pressão interna, uma irritação crescente. O que sentimos é raiva de nós mesmos porque não somos capazes de reagir, por acharmos que não estamos no controle, por nos sentirmos impotentes, presos aos nossos próprios dilemas.

Poderíamos pedir com paciência, gentileza, doçura, que a pessoa colocasse os sapatos em um lugar específico, e poderíamos repetir o mesmo pedido quantas vezes fossem necessárias. Assim como poderíamos também aceitar o fato de que sapatos podem mudar de lugar sempre que uma pessoa mexe neles, pois não há nisso qualquer conseqüência fundamental. Se não aceitarmos a simples mudança do lugar de um sapato, não vamos aceitar as mudanças que a vida traz, não vamos aceitar mudança alguma dentro de nós. Parece interessante observar que o que pode estar por trás de tudo isso é o medo e a insegurança.

A ciência mostra que a raiva pode destruir neurônios, causar úlcera, gastrite, dor de cabeça, até mesmo câncer. Assim, destruirmos a nós mesmos por causa de um sapato fora do lugar soa como algo absurdo. Somente pessoas muito estúpidas, muito burras, assim como nós, são capazes desses desmandos.

Talvez a auto-aceitação diminua a raiva que sentimos por nós mesmos, as culpas que remoemos, diminuindo assim a raiva que temos de tudo e de todos, a culpa que atribuímos a tudo e a todos.

As idéias, preconceitos, percepções que temos sobre os defeitos dos outros deveriam nos levar à expressão de mais compaixão, mais compreensão, mais tolerância, mais paciência. Estes sentimentos deveriam substituir a raiva, a irritação, o nervosismo, a grosseria, a brutalidade. Pois, se já sabemos como os outros vão se comportar, e isso se confirma, não há razão para irritação. Já sabíamos que assim seria, é muita estupidez nossa nos irritarmos com algo que já sabíamos que iria acontecer.

Estupidamente, ficamos com raiva dos outros porque nunca mudam, continuam sempre a cometer os mesmos erros. Por outro lado, também continuamos sempre a cometer os mesmos erros. Facilmente, ficamos irritados, com raiva, sofremos com isso e não percebemos que os outros também sofrem com os defeitos que têm, muitas vezes sem perceber por que sofrem, sem perceber seus defeitos. Há vezes em que chegam até a acreditar que estão expressando virtudes; há outras em que percebem seus defeitos e não conseguem mudar, pois não sabem como .Tudo isso é motivo para compaixão, nunca para irritação.

Temos raiva de muitas coisas, sentimos raiva em muitas situações. Nem sempre conseguimos perceber nossas manifestações de raiva, pois existe uma camada de véus que encobre este fato e, de certa forma, protege a psiquê. Podemos ter até conhecimento de algumas manifestações de raiva, mas raramente temos total consciência delas; não temos consciência do objeto de nossa raiva e quase nunca de por que sentimos raiva. Vivemos achando que a raiva dentro de nós se manifesta apenas por meio de grandes irritações ou explosões de ira. Pode até ser o caso. Mas temos uma série de pequenas irritações, e estas são as que mais destroem. De forma sutil, geram tensão, cansaço, fadiga, estresse. Preocupamo-nos com as grandes irritações e explosões de ira, quando na verdade deveríamos nos preocupar com o que realmente gera problemas e conflitos no dia-a-dia: as pequenas manifestações de raiva, aquelas que das quais não temos consciência. As grandes manifestações de ira são como uma cortina de fumaça para as pequenas.

Pela prática diária da meditação, a mente se torna serena. Esta serenidade, aos poucos, vai se incorporando ao nosso dia-a- dia, à nossa vida prática.

A meditação reflexiva nos leva a compreender os motivos de nossa ira. Esta compreensão, aos poucos, vai se refletindo em nosso comportamento diário.

Mas, se após compreendermos os muitos aspectos da raiva, ainda reincidimos em velhos erros, em repetições, recorrências, se ainda somos tomados facilmente pela ira, se ainda nos irritamos com as mesmas coisas, com as mesmas situações ou com pequenas variações das mesmas situações, talvez seja porque nosso coração ainda esteja muito duro. Talvez o foco principal esteja voltado para a própria mente, talvez estejamos muito preocupados com nós mesmos. Neste caso, nossa capacidade de compreensão se concentra apenas em nossa própria realidade, impedindo-nos de olhar um pouco mais para o outro, para o seu ponto de vista. Isto ocorre quando nos falta o amor, manifestado sob seus mais variados aspectos, ou seja: compaixão, paciência, tolerância, compreensão, sensibilidade, calma, respeito, bondade, gentileza, aceitação, perdão. É possível até que nunca tenhamos sequer percebido que tais virtudes são aspectos e variações do amor. É possível que, mesmo em nossas mais profundas reflexões e meditações, não tenhamos desviado o olhar de nós mesmos, da nossa exclusiva compreensão do universo. É o amor-próprio, a auto-adoração que nos torna cegos para os demais. E a prática dessas grandes virtudes, que representa um exercício de amor ao próximo, nos ajuda a combater essa cegueira e vencer o amor-próprio.


31 de agosto de 2016

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