Jardim dos Mestres

Qual a verdadeira função de um educador?

Qual é a verdadeira função de um educador? Que é educação? Por que somos educados? E somos de fato educados? Porque uma pessoa passa em certos exames, obtém um emprego, compete, luta, se torna, brutalmente ambiciosa – isso é educação? Que é um educador? É o homem que prepara o estudante para um emprego, apenas para um emprego, que lhe dá proficiência técnica para ganhar a vida?

É só isso que conhecemos atualmente. Há grandes escolas e universidades onde se prepara a juventude de ambos os sexos para ter um emprego, para ter conhecimentos técnicos, para que ele ou ela tenha um meio de vida. É esta, tão somente, a função do verdadeiro educador? Há de haver algo superior, pois isto é muito mecânico. Dizeis então que o educador deve constituir um exemplo, um modelo. Concordais com isso? Tereis que pesquisar a verdade do problema: penetrá-lo. Quando o penetrardes, vereis a sua verdade, isto é, nenhum exemplo se faz necessário. Ponde de lado vossas conclusões ou condicionamento e indagai. Dizeis um educador deve ser um exemplo. Que quereis dizer com isso? Um exemplo, um herói, para que o jovem ou a jovem o imite? Afinal, nós já temos tantos modelos: Cristo, Buda, Gandhi e — passando ao outro extremo — Lenin, Stalin, e sabe Deus quem mais; e, ainda, vários santos e heróis.

Em que implica a idéia de “exemplo”? Se a função do mestre é a de ser um “exemplo”, não está ele então, consciente ou inconscientemente, impondo um padrão ao moço, ao estudante? O ajustamento a um padrão, por mais nobre que seja este padrão, por mais bem ideado e planejado, pode libertar o individuo do temor? Porque, é bem de ver, o estudante é educado para fazer face à vida, para compreender a vida, e não para enfrentá-la como comunista, ou capitalista, ou como um estúpido qualquer, diferentemente condicionado. Temos de ajudá-lo a enfrentar a vida. Para se enfrentar a vida, não pode haver temor, e isto é muito raro. Para se ser sem temor não se precisa de exemplos ou de heróis. Se não houver heróis ou exemplos, o estudante se perderá? Tal é o receio dos mais velhos, não é verdade? Assim, dizem eles: ‘Para que ele não se desvie do bom caminho, necessita de um exemplo. Ele tem de ser levado a imitá-lo, consciente ou inconscientemente”. E criamos desse modo um ente humano medíocre, sem iniciativa, uma entidade ajustada, uma máquina, que tem medo de pensar, de viver, de descobrir. Um exemplo não implica em que se engendra no estudante o medo de compreender por si mesmo os seus próprios problemas, e no educador o medo de ajudá-lo a compreendê-los? E se o próprio educador se torna o guia, o exemplo, o herói, não está ele então instilando o medo no espírito do jovem, do estudante? Assim, pois, sem dúvida, o verdadeiro educador não é um “exemplo”, nem tem a função de inspirar o estudante, porque inspiração implica em dependência Escutai, por favor. É provável que, no fundo, isto vos enfade, porque supondes já ter passado da idade de receber educação. — Que tem a idade que ver com a educação? A educação é um “processo” que dura toda a vida, e não só na idade escolar. Nessas condições, se se quer criar um mundo novo — o qual poderá ser criado pelos vossos filhos e filhas, mas não por vós, que já pusestes tudo em desordem — se se quer criar um mundo novo, é necessário criar-se uma inteligência de nova ordem, uma inteligência sem medo. Um estudante que sente medo, porque tem o exemplo dos santos e dos heróis e uma multidão de padrões de pensamento estabilizado, uma tradição, não poderá criar um mundo novo; ele criará o mesmo mundo feio, malfazejo, fértil de desgraças. Por conseguinte, a verdadeira função do mestre não é a de “inspirador”, de “exemplo”, mas, sim, a de despertar a inteligência no jovem— o que não significa deva ele tornar-se o “esclarecedor”. Se o mestre se tornar o “esclarecedor”, se tornará imediatamente um guru para o estudante, visto que este ficará na dependência dele, como “esclarecedor”; e deixa-se, assim, o estudante embotar, visto contar com alguém que vai esclarecê-lo, despertá-lo.

O mestre, pois, não é o “esclarecedor”, não é o “inspirador”, nem o guia, nem o herói, nem o exemplo. A verdadeira função de um preceptor é completamente diferente: é a de ajudar o estudante, educá-lo para perceber todos estes problemas. Não pode o estudante perceber os problemas, se existe medo — medo de ordem econômica, social ou religiosa. Não é um verdadeiro mestre aquele que está sempre a comparar o estudante com outra pessoa, com o irmão mais velho, o aluno mais inteligente da classe, etc. — porque essa própria comparação destrói o indivíduo a respeito de quem se faz a comparação. Prestai, por favor, atenção a isto. Não existe o verdadeiro educador em nenhuma de nossas escolas atuais. Urge, pois, educar o educa dor, e este é um dever que vos incumbe, pois o Estado não irá tratar disso. Ao Estado só interessa ajustamento, a produção de resultados quantitativos.

O verdadeiro educador não é o pai, a mãe, a sociedade, e não uma dada entidade especializada? É vosso dever, pois não achais? É vosso dever contrapesar, intervir, no lar, à falta de um verdadeiro mestre, para o despertar da inteligência do jovem, sem temores, sem comparações, o despertar da inteligência, com a qual ele poderá enfrentar a vida e compreender todas as influências que condicionam, de modo que, como um ente humano inteligente, sem medo, sem competição, possa ele criar um mundo novo ande não haja guerras nem horrorosas misérias sociais — ou criar para si um mundo pior do que o nosso… tudo depende dele. Nessas condições, a verdadeira função de um educador é criar uma atmosfera, um ambiente em que o estudante possa crescer e frutificar, sem temor.

Senhores e Senhoras, acabais de ouvir isso. Seria mui to interessante saber qual é a vossa reação. Direis: “é impraticável, é utópico, só possível aos Rishis*. Precisamos de empregos para ganhar o nosso sustento. Que será de mim, na velhice, se meus filhos não me ampararem?” — Se tal é a vossa reação, não alcançastes a verdade relativa à questão. Se percebestes esta Verdade, ela atuará, a despeito das sutilezas de vossa mente. É muito importante perceber a verdade nesta questão.

*Rishis – Reis Santos, Seres que atingiram níveis muito superiores de percepção e conexão divinas, Seres Realizados e Iluminados.

Krishnamurti – 6 de dezembro de 1953
Do livro: O Problema da Revolução Total – Editora ICK

 


27 de julho de 2014

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