Parece que o principal motivo para querermos ajudar os que sofrem, ou para querermos sanar suas dores, muitas vezes até de uma forma desesperada, é o fato de estarmos identificados com o sofrimento desse alguém.
Geralmente sofremos por não agüentarmos ver os outros sofrerem, o que denota fraqueza, identificação, projeções mentais em demasia, apego ao passado, medo do futuro. Esse tipo de identificação é, particularmente, muito comum nos pais que não suportam ver seus filhos sofrendo. Porém, os níveis de identificação são amplos.
Inconscientemente, o que queremos, na verdade, é nos livrarmos de sofrimentos nossos, estejam eles no presente ou no passado, através dos outros. Assim, sentimos alívio diante de alguém que consegue se livrar de um sofrimento.Evidentemente,não sentiríamos este alívio se não estivéssemos sofrendo também, de alguma forma; se não estivéssemos identificados com o sofrimento alheio. E, como esta sensação de alívio não se dá pela eliminação do nosso próprio sofrimento, voltaremos a buscá-la, por incontáveis vezes, enquanto não eliminarmos nossas próprias angústias, o que só é possível por meio de uma reta compreensão do problema.
É freqüente observarmos certos “vilões” que costumam aparecer nessas situações, entre eles os que encarnam papéis como: o “eu vítima”, o “eu coitadinho”, o “eu sofredor”, o “eu compreensivo”, o “eu salvador”, o “eu herói” ou “eu mártir”. É bom que se preste atenção, pois estes “eus” geralmente estão acompanhados dos “eus” do orgulho, do orgulho místico.
Na ânsia de livrarmos os outros de algum sofrimento, criamos confusões, mal-entendidos, perturbamos, atormentamos, incomodamos, infernizamos, e com isso acabamos por dificultarmos ainda mais a paz alheia. O mais espantoso é que, ao final de tudo, ainda nos queixamos, dizendo que não somos reconhecidos ou compreendidos por estarmos querendo ajudar.
Por exemplo,se vemos alguém desesperado por estar enfrentando dificuldades financeiras, e se já vivenciamos situação semelhante no passado, apressamo-nos em dizer ao outro que sabemos o que ele está passando, o quanto está sofrendo, que sua situação corta-nos o coração, nos deixa consternados. Nossas recordações vêm a tona. E, sem perceber, reagimos a essas lembranças. A mente faz muitas associações. Todas as palavras de consternação sobre a situação do outro não passam de lamentações relacionadas ao nosso próprio passado. O “eu vítima” se lamenta de seus sofrimentos, de suas dores e dificuldades. A memória traz também o emocionalismo. Na verdade, o que desperta em nós é um profundo sentimento de auto-comiseração. Mas não percebemos nada disso, acreditamos piamente que estamos a nos compadecer do próximo, acreditamos que um nobre sentimento de empatia nos move.
Para podermos compreender o sofrimento do outro, precisamos antes compreender os nossos próprios sofrimentos, bem como as ilusões, os apegos e os desejos a eles associados. Enquanto não encararmos o sofrimento como uma ilusão, viveremos a nos identificar com o sofrimento alheio, e seremos incapazes de ter um real sentimento de compaixão.
É comum nos convencermos de que muito aprendemos com nossos sofrimentos, quando, na realidade, o que acreditamos ser aprendizagem não passa de mágoas, ressentimentos, medos e repressões acumuladas, não passa travas criadas, de dispositivos de defesa. Enquanto carregarmos esses fardos, estaremos presos a um passado, um passado que, provavelmente, não aconteceu ou foi mal interpretado.
Apegamo-nos aos nossos sofrimentos, apegamo-nos às nossas versões das situações e à nossa forma de vê-las. Somos incapazes de perceber que tais situações não se passaram como as imaginamos, como as fantasiamos em nossa mente.Não conseguimos ver as ilusões como meras ilusões. Criamos problemas, inventamos versões para as mais diversas situações, distorcemos os fatos, distorcemos a realidade e seguimos acreditando que assim o foi. É muito difícil olharmos para trás, olharmos para o nosso passado e aceitarmos que nada do que achamos que tinha acontecido realmente aconteceu. Na realidade, o passado, tal qual acreditamos que foi, não aconteceu.
E um dos fatores que nos impulsiona a ajudar os outros, a eliminar suas dores, é a culpa que sentimos face ao sofrimento alheio.
Fábio Ferreira Balota
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